domingo, 19 de outubro de 2014

Eleições presidenciais 2014, esquerda, direita....

Reta final das eleições, segundo turno, dia 26 de outubro de 2014 e todos estão ligados, muito ligados nelas, ao contrário do que sempre se imaginou e não apenas nos grandes centros.

Talvez justamente nas grandes cidades as pessoas estejam mais desiludidas com a política. Dá para saber isso com precisão hoje em dia, é só cruzar os dados do TSE para a gente ter a exata noção das abstenções e votos nulos e em branco.

Chega-se à reta final com dois candidatos dos partidos responsáveis pela principal polarização dos últimos anos que são o PSDB e o PT, ambos criados após a redemocratização brasileira pós 1964.

Tanto o PSDB quanto o PT são partidos sociais-democratas e também responsáveis pelas mudanças mais significativas na economia e na política do País nesses 29 anos pós-redemocratização.

Simplificando, pode-se afirmar que: o PSDB é a esquerda da direita e o outro, o PT, é a direita da esquerda. Seus fundadores estiveram e tiveram participação fundamental na luta pela democracia e sua normalização no País lá pelos anos setenta/oitenta. Os principais líderes eram e ainda são, Fernando Henrique Cardoso e Lula.

O PT, nasceu, em fevereiro de 1980, no meio sindical das greves do ABC paulista, na época em que fazer greve significava ser preso sem direito à defesa. O outro, o PSDB, foi fundado por uma base mais elitizada da academia que flertava com o neo-liberalismo, mas que também se situava no espectro da social-democracia, colocando isso, inclusive, na sua denominação.

Ambos sairam do PMDB, partido de oposição ao regime que se consolidara durante o período da ditadura, onde o bipartidarismo entre ARENA (da situação) e MDB (de oposição) eram as únicas opções aos eleitores e às eleições que aos poucos eram reestabelecidas pela ditadura de 64.

A ARENA era constituída pelos setores mais conservadores do País: grandes empresários do setor de comunicações, industrial pesado, financeiro e grande parte da classe média(a antiga e formadora de opinião na época) anti-comunista por definição.

O MDB que se transformou em PMDB em 1979, com Ulysses Guimarães, era composto pelo que sobrou da oposição e de algumas novas lideranças surgidas pós-sessenta e quatro como Mário Covas, José Serra, Dante de Oliveira, Álvaro Dias, Pedro Simon, Roberto Freire e muitos outros.

A ARENA, também em 1979 foi rebatizada de PDS e sua composição manteve as lideranças afinadas com a direita anti-comunista e liberal basicamente. Suas lideranças surgidas da ditadura militar lá permaneceram como José Sarney, Paulo Maluf, Antonio Carlos Magalhães, Jorge Bornhousen, Francelino Pereira e outros mais.

Na década de oitenta, os partidos proliferaram e os perfis aglutinados nos então PMDB e PDS se distribuiram em várias legendas.

A multiplicação dos partidos revelou e acentuou as diferenças entre as várias correntes de pensamento de esquerda e sociais-democratas e algumas poucas à direita.

Registre-se que a direita pouco se dividiu com PFL, PL e PP, enquanto que a esquerda se fragmentou em diversos partidos como PDT, PTB, PSDB, PSB, PCdoB, PCB e PT. Entre a esquerda e a direita estava o PMDB com lideranças expressivas como Montoro, Ulysses e Pedro Simon, mas com quadros tanto à direita, quanto à esquerda, os chamados autênticos do partido e com a maioria no Congresso.

O que se viu depois da volta à democracia foi uma queda contínua das forças de direita mais radical e uma ascensão das forças de esquerda, liderada pelo PT e PDT. Nas primeiras eleições livres de 1989 tivemos na disputa direta entre, Lula, Brizola e Collor com a vitória de Collor, mas já não caracterizado como aquela direita dos tempos Lacerdistas (da UDN) de antes.

Com a criação do PSDB, em 1988, a liderança de Fernando Henrique desponta como a face mais à esquerda da social-democracia e com o crescimento do PT, aparece Lula como a contrapartida mais à direita da esquerda tradicional.

O Governo de Collor eleito na primeira elelição livre, em 1989, desaba por falta de sustentação política e se envolve em escândalos de corrupção que o levam ao impeachment e o mandato tampão de Itamar (oriundo do MDB e com passagem pelo PL), a grande interrogação naquele momento.

O governo de Itamar revelou-se, no entanto, nacionalista com tintas à esquerda da onde surge com destaque o seu então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso por conta do desenvolvimento do exitoso Plano Real. FHC é eleito presidente em 1994, na sucessão de Itamar e conta com seu principal cabo eleitoral, o Plano Real.

O interessante nessa época é que ainda muito recente, a democracia já enfrentara bem um impeachment, e tinha passado por um mandato tampão nacionalista conservador.

Com a eleição de FHC, um sociólogo de esquerda que foi obrigado a abandonar o País pra viver primeiro no Chile e depois na França, ficou uma questão no ar que preocupava a todos: qual seria a reação dos setores militares e da direita ainda com muita força e muito presente na administração central?

É verdade que FHC tinha dito que esquecessem tudo o que ele tinha escrito e que agora era um social-democrata. Isso soava mais como um habeas corpus ideológico e só quem viveu a época do golpe militar entende a situação com clareza.

Lula que jamais foi da esquerda tradicional se aproveitava disso no meio sindical, seu braço principal e faz uma oposição cerrada ao PSDB.

No entanto, o Plano Real caiu como um raio que de cara acabou com a hiper-inflação. A inflação até dezembro de 1993 que era de 916% a.a. no final de 1994, após a implantação do Plano Real em jul/94, já era de 22 % a.a. Na sequência e já no governo de FHC, em 1998, a inflação anual foi de inacreditáveis 1,66% a.a. . Por conta do sucesso do Plano Real, FHC é reeleito nesse mesmo ano.

A partir do segundo mandato de FHC a economia desanda, com taxas de juros muito elevadas, pouco investimento em infra-estrutura, redução do emprego e programa de privatizações discutíveis em algumas decisões e com denúncias de corrupção de compra de votos para a aprovar a reeleição. O governo FHC entra em declínio.

Lula, que tinha sido contra o Plano Real, alegando que viriam o arrocho salarial e o desemprego, argumentos muito utilizados pela oposição de esquerda, cresce na disputa eleitoral e pela quarta vez concorrendo à Presidência se elege em 2002, batendo José Serra, candidato de FHC.

Lula, no entanto, um pouco antes de sua eleição, em 22.06.2002, escreve a Carta ao Povo Brasileiro (http://www.iisg.nl/collections/carta_ao_povo_brasileiro.pdf) com o intuito de tranquilizar a opinião pública internacional em especial e sem dizer isso, adere ao Plano Real, incorporando os programas sociais desenvolvidos por Ruth Cardoso no Comunidade Solidária e a Rede de Proteção Social com doze programas de assistência à população carente, rebatizados de Fome Zero no seu governo.

O Governo Lula foi o segundo governo social-democrata eleito em 2002 e reeleito em 2004. O seu primeiro mandato foi festejado praticamente por todos, incluindo a oposição que preferiu silenciar.

Ajudado pelo Plano Real e pelo crescimento mundial muito positivo, o primeiro governo Lula obteve bastante sucesso interno e externo com direito a discursos elogiados na ONU e a aprovação de ninguém menos que Obama, recém-eleito nos Estados Unidos.

O governo Lula que já era intimamente ligado a José Sarney pelo PMDB e amigo pessoal de Lula nessa altura, termina com fortes denúncias de corrupção para obtenção de apoios da sua base aliada (o Mensalão) e de aparelhamento do Estado com aumento de ministérios e cargos públicos para atender a todos que antes eram oposição ao governo como Collor, Moreira Franco e Maluf.

Mesmo assim, em 2008 a eleição de Dilma Roussef, Chefe da Casa Civil de Lula, até pouco antes no PDT e desconhecida do povo brasileiro por conta da sua carreira técnica nos governos do RGS, é uma vitória pessoal de Lula que contra todos no partido, aposta em Dilma. Em sua competência para governar.

No meio da gestão Dilma, os principais acusados e condenados no processo do Mensalão de Lula (José Dirceu, Genoíno, Marcos Valério, Delúbio Soares, Roberto Jefferson etc..) estão presos por decisão do STF, comandado pelo seu presidente, Ministro Joaquim Barbosa indicado por Lula ao STF anteriormente.

As obras de infra-estrutura enfrentam atrasos monumentais e a Copa do Mundo é realizada num clima de manifestações reivindicatórias de melhor qualidade na saúde, educação, segurança, infraestrutura e reformas política e tributária, a partir de junho de 2013, nunca vistas antes no Brasil, porque expontâneas e sem lideranças conhecidas.

O governo Dilma que tinha ido bem em seu primeiro ano, enfrenta novos escândalos, de propinas dadas agentes do governo pelas empresas que vai num crescendo até estourar no mais danoso e recente escândalo envolvendo nada mais do que a Petrobrás, a jóia da República.

Para competir com Dilma na sua tentativa de reeleição aparecem, com força, dois candidatos importantes por diferentes motivos.

Marina Silva, já no PSB como vice de Eduardo Campos, é guindada à candidata na disputa presidencial após o trágico acidente aéreo que mata o neto de Arraes. 

Marina é dissidente do PT, ex-ministra de Lula e ambientalista de renome internacional. Ela tentou legalizar a Rede, como partido próprio, mas não conseguiu, segundo alguns dizem, por manobras de bastidores da base aliada do PT que impediram seu registro.

O PSDB vem com Aécio Neves - político de experiência no legislativo (deputado, senador) e excutivo de sucesso como Governador de Minas Gerais por duas vezes e ainda por cima preparado pelo seu avô Tancredo Neves (o último presidente indireto que jamais tomou posse porque faleceu antes) para a presidência de república desde a década de setenta.

A candidatura de Luciana Genro, ex-PT e agora no recém-criado PSOL(2004), disputa a presidência com pouquíssimas chances eleitorais, mas com um discurso de esquerda que pela primeira vez soa moderno, desenvolvimentista e sem os cacoetes do século dezenove da esquerda tradicional.

Luciana saiu do PT junto com vários outros integrantes do partido, como Ivan Valente, Chico Alencar, Heloísa Helena, Plínio de Arruda Sampaio entre outros, por não concordar com o Mensalão e outras posturas consideradas conservadoras de direita do PT.

Depois dessa participação nas eleições Luciana ganhou visibilidade e a simpatia do público mais jovem e idealista, bem como daqueles que não concordam com a guinada do PT para a política anti-ética, fisiologismo e complacente com a corrupção.

O socialismo defendido por Luciana com a cara inclusiva da democracia ganha muitos adeptos na juventude e surge com força para um disputa mais adiante com chances de crescimento real na sociedade como uma alternativa nova e antenada com a realidade mundial.

Marina, considerada favorita para o segundo turno, perde para Aécio que ganha o posto de adversário de Dilma e se alia a ela pela presidência.

As pesquisas indicam um empate técnico entre Dilma e Aécio e a campanha fica com um tom ruim de troca de acusações mútuas de um considerar o outro como exterminadores do Brasil, o que tira a direita mais reacionária do armário, durante a campanha, ganhando força com um discurso moralista e excludente muito parecido com aquela velha direita conhecida do golpe de Estado de 1964.

O que se observa nisso tudo é que apesar do Congresso nacional espelhar uma face ainda muito conservadora, com fundamentalistas religiosos, corruptos explícitos e com muito a avançar, do ponto de vista nacional não se tem um político de direita radical ou mesmo de direita mais light com reais chances de vitória, ao contrário, o País está optando por candidaturas sociais-democratas e mantém-se numa zona confortável de estabilidade.

Por mais que se diga que o PSDB seja neo-liberal e que o PT queira implantar um sistema bolivariano socialista no Brasil, nem uma das duas afirmativas é verdadeira. Os programas sociais com Aécio ou com Dilma irão continuar e a política econômica não muda nada, inclusive os ajustes necessários.

Apenas o jeito de governar é diferente, sendo um, o PT, mais fisiológico e o outro, o PSDB, mais técnico e pragmático.